A fé cristã se articula num duplo movimento. A fé é, primeiramente, iniciativa de Deus que se revela a nós. Nesse sentido, a fé é graça, um dom, uma virtude sobrenatural infundida por Deus.  Num segundo momento, a fé se expressa como resposta humana ao Deus que se revela. Cabe, por conseguinte, ao ser humano a obediência da fé.
 
Maria, Modelo de fé

Obedecer na fé significa submeter-se livremente a Deus e sua Palavra. Desta obediência, a Virgem Maria é sua mais perfeita realização (Catecismo da Igreja Católica – CIC 144). Ela acolheu positivamente o convite do Pai, trazido pelo anjo Gabriel. Acreditou que “para Deus nada é impossível” (Lc 1,37) e deu seu assentimento: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Como veículo do Espírito Santo, Isabel proclamou o verdadeiro sentido da felicidade de Maria: “Bem-aventurada a que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido” (Lc 1,45). De fato, nenhuma fé seria necessária à Virgem, se ela fosse conceber de forma natural.
 
A anunciação é o momento culminante da fé de Maria e o ponto de partida para o seu itinerário para Deus, para sua caminhada de fé (Redentoris Missio 14). Nesse caminhar, mesmo sem compreender todo o mistério de seu Filho, ela ousou guardar todos os acontecimentos em seu coração (Lc 2,51b). Unida intimamente a Jesus, a Virgem avançou no caminho da fé e “foi até a ‘noite da fé’, comungando com o sofrimento de seu Filho e com a noite de seu túmulo” (CIC 165). Sua fé, inserida na tradição judaica, teve que se abrir para a novidade do Evangelho pregado por Jesus. Esse peregrinar culminou na sua participação orante junto à comunidade cristã (cf At 1,14).
 
Por cumprir fielmente a vontade de Deus, Maria tornou-se modelo de todos “os que ouvem a palavra de Deus e a praticam” (Lc 8,21; 11,28); tornou-se modelo da Igreja na fé, na esperança, na caridade e na missão apostólica (Lumen Gentium 53; 65). A Igreja, na sua missão de mãe na fé, deve, portanto, seguir o exemplo de Maria, que viveu a fé e ensinou a Jesus tudo quanto sabia. Assim, também nós peregrinos na fé, somos chamados a guardar o “depósito da fé” e a transmitir às novas gerações a verdade professada ininterruptamente por nossos antepassados.
 
Verdadeira mãe e pedagoga da fé, Maria é modelo de seguimento de Jesus Cristo. Na Virgem, peregrina da fé, a humanidade deposita sua confiança, seu amor, sua vida e sua história. Ela, como boa mãe, responde ao apelo dos que pertencem a sua raça, não cansando de repetir o seu convite evangélico: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5).
Wellinton Silva, Jornal Missão Jovem
SEMANA DE ORAÇÃO PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS
O QUE DEUS EXIGE DE NÓS?
(cf Miquéias 6,6-8)

DIA 8
Caminhando em celebração

Leituras
Habacuc 3,17-19
Celebrando em um tempo de dificuldades
Salmo 100
A adoração a Deus na terra inteira
Filipenses 4,4-9
Alegrai-vos no Senhor o tempo todo
Lucas 1,46-55
O canto de Maria
Comentário
Caminhar humildemente com Deus é caminhar em celebração. O visitante que chega à Índia é surpreendido pelas agruras e lutas suportadas pelos dalits, mas também se depara ao mesmo tempo com o senso de esperança e celebração que eles têm.
Esperança e celebração acontecem juntas nas leituras bíblicas de hoje. O profeta Habacuc se alegra no Senhor num tempo de seca e colheita fraca. Tal testemunho de que Deus caminhará com seu povo nas dificuldades é uma celebração de esperança. A bendita Virgem Maria caminha até sua prima Isabel para celebrar a gravidez dela. Ela canta seu Magnificat como uma canção de esperança mesmo antes do nascimento da criança. E, na prisão, Paulo exorta a comunidade cristã de Filipos à celebração: “Alegrai-vos no Senhor o tempo todo.” Na Bíblia, celebração é algo unido à esperança na fidelidade de Deus.
O aspecto celebrativo da cultura dos dalits traz um testemunho semelhante a um evangelho de fé e esperança, forjado no cadinho da experiência dos dalits de luta por dignidade e persistente sobrevivência. Ao orarmos pela unidade cristã nesta Semana, nos voltaremos para a celebração de vida que vemos na Índia, focalizando a fidelidade dos dalits à sua identidade cristã no contexto de suas lutas pela vida. Nossa celebração para uma unidade entre cristãos que está ainda por ser conquistada acontece em meio a esperança e esforço. Está enraizada na esperança de que a prece que Jesus fez para que sejamos um será atendida no tempo e através dos meios que Deus desejar. Está enraizada na gratidão, porque a união é dom de Deus, e no reconhecimento da unidade que já experimentamos como amigos de Jesus, expressada num único batismo. Está enraizada na convicção de que Deus chama cada um de nós a trabalhar por essa unidade e de que todos os nossos esforços serão usados por Deus, confiando como São Paulo, que recomendou : “em toda ocasião, pela oração e pela súplica acompanhadas de ação de graças, apresentai a Deus os vossos pedidos.” A caminhada para a unidade cristã exige que andemos humildemente com Deus na celebração, na oração e na esperança.
Oração
Generoso Deus, que o teu Espírito encha nossas comunidades de alegria e celebração para que possamos nos regozijar pela unidade que já partilhamos e zelosamente continuar em busca da unidade visível. Alegramo-nos com a fé e a esperança de povos que se recusam a permitir que sua dignidade seja diminuída, vendo neles tua maravilhosa graça e tua promessa de liberdade. Ensina-nos a participar da alegria deles e a aprender de sua fiel perseverança. Renova nossa esperança e sustenta nossa decisão de caminharmos juntos no amor em nome de Jesus, erguendo uma voz unida em louvor e cantando juntos a mesma prece de adoração. Deus da vida, guia-nos para a justiça e a paz. Amem.
Questões;
Quais são as lutas por justiça na sua comunidade? Quais são as causas para celebração nessa caminhada?
§ Quais são os esforços para a promoção da unidade cristã em sua comunidade? Quais são as causas para celebração nessa caminhada?
SEMANA DE ORAÇÃO PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS
O QUE DEUS EXIGE DE NÓS?
(cf Miquéias 6,6-8)

DIA 7
Caminhando em solidariedade

Leituras
Números 27,1-11
O direito de herança das filhas
Salmo 15
Quem será recebido na tenda de Deus?
Atos 2,43-47
Os discípulos tinham tudo em comum
Lucas 10,25-37
O bom samaritano
Comentário
Caminhar humildemente com Deus significa caminhar em solidariedade com todos os que lutam pela justiça e pela paz. Isso coloca uma questão para aqueles que oram pela unidade dos cristãos nesta Semana: o que é a unidade que buscamos? A Comissão de Fé e Ordem, que inclui membros do Conselho Mundial de Igrejas e da Igreja Católica, compreende a unidade como “unidade visível numa só fé e numa só comunhão eucarística”. O movimento ecumênico se dedica à superação das barreiras históricas e atuais que dividem os cristãos, mas faz isso com uma idéia de unidade visível que liga a natureza e a missão da Igreja a serviço da unidade da humanidade com a superação de tudo que prejudica a dignidade dos seres humanos e nos mantém separados. A Comissão de Fé e Ordem declarou:
A Igreja é chamada e capacitada para partilhar o sofrimento de todos através da intercessão e do cuidado com os pobres, os necessitados e os marginalizados. Isso inclui análise e exposição crítica das estruturas injustas e o trabalho para a sua transformação... esse testemunho fiel pode envolver os próprios cristãos em sofrimento por causa do Evangelho. A Igreja é chamada e curar e reconciliar relações humanas quebradas e a ser instrumento de Deus na reconciliação, em situações de divisões humanas e de ódio. (Natureza e Missão da Igreja).
Há muitos exemplos de tais ações de cura e reconciliação por parte das Igrejas indianas. Até muito recentemente, as leis sobre a herança dos cristãos na Índia desconsideravam as filhas. As Igrejas apoiaram a exigência de abolir essa lei arcaica. A história das filhas de Selofhad, na qual Moisés se dirige a Deus em busca de justiça apoiando o direito das filhas, foi usada para exigir justiça para as mulheres. Assim, os cristãos dalits foram movidos por esse testemunho bíblico em suas lutas pela justiça.
Uma imagem bíblica da Igreja unida em solidariedade com os oprimidos é a parábola de Jesus sobre o bom samaritano. Como os dalits, o bom samaritano pertence a uma comunidade desprezada e excluída; ele é o único na história que se importa com o homem abandonado à beira da estrada e que proclama, através de sua ação solidária, a esperança e o consolo do Evangelho. A caminhada para a unidade cristã é inseparável do ato de caminhar humildemente com Deus em solidariedade com qualquer um e com todos que estejam necessitados de justiça e bondade.
Oração
Deus Uno e Trino, em tua própria vida nos ofereceste um modelo singular de interdependência, relações de amor e solidariedade. Dá-nos união para que vivamos nossa vida dessa maneira. Ensina-nos a partilhar a esperança que encontramos nas pessoas que lutam pela vida no mundo inteiro. Que a persistência delas nos inspire na superação de nossas próprias divisões, para que possamos viver em santa cooperação uns com os outros, caminhando juntos em solidariedade. Deus da vida, guia-nos para a justiça e a paz. Amem.
Questões
§ Quem, na sua comunidade, está tendo necessidade da solidariedade da comunidade cristã?
§ Que Igrejas estão ou já estiveram em solidariedade com suas necessidades?
§ De que maneiras uma maior unidade cristã visível poria em relevo a solidariedade cristã com aqueles que estão precisando de justiça e bondade no contexto em que vivemos?

Plante boas sementes
Todos os dias, para enfrentar as adversidades da melhor maneira, é bom evitar pensamentos negativos, que acarretam sentimentos de tristeza, pessimismo e derrota.

Lembre-se de que o melhor caminho a seguir é esperar confiante o fruto da boa semente plantada hoje para ser colhida amanhã.
SEMANA DE ORAÇÃO PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS
O QUE DEUS EXIGE DE NÓS?
(cf Miquéias 6,6-8)

DIA 6
Caminhando além das barreiras

Leituras
Rute 4,13-18
Os descendentes de Rute e Boaz
Salmo 113
Deus, o socorro dos necessitados
Efsiosé 2,13-16
Cristo destruiu o muro da separação
Mateuos 15,21-28
Jesus e a mulher cananéia
Comentário
Caminhar humildemente com Deus significa caminhar além das barreiras que dividem e prejudicam os filhos de Deus. Os cristãos na Índia estão conscientes das divisões entre eles. São Paulo viveu no meio das devastadoras divisões que havia nas primeiras comunidades cristãs entre cristãos judeus e gentios. Diante dessa e de todas as barreiras subseqüentes, Paulo proclama que Cristo “é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade. Em sua carne destruiu o muro de separação”. Em outro texto Paulo escreve: “Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo. Não há mais nem judeu nem grego; já não há mais escravo nem homem livre, já não há mais o homem e a mulher, pois todos vós são um só em Cristo.” (Gálatas 3, 27-28). Em Cristo, todas as profundas barreiras do mundo antigo – e de seus sucessores modernos – foram removidas porque na cruz Jesus criou em si mesmo uma nova humanidade.
Num mundo em que é difícil cruzar as barreiras religiosas, os cristãos, que estão em minúscula minoria no contexto multi religioso da Índia, nos relembram a importância da cooperação e do diálogo inter religioso. O evangelho de Mateus fala da difícil caminhada de Jesus – e de seus discípulos – para cruzar as barreiras de religião, de cultura e de gênero quando ele é confrontado por uma mulher cananéia que lhe suplica a cura de sua filha. O instinto visceral dos discípulos para mandá-la embora e a própria hesitação de Jesus foram superados pela fé dessa mulher e por sua situação de necessidade. Então, Jesus e seus discípulos foram capazes de ultrapassar as barreiras humanas e as fronteiras impostas pelo mundo antigo. Isso já está presente na bíblia hebraica. O livro de Rute, a mulher moabita de uma diferente cultura e religião, se encerra com uma lista dos descendentes que ela produziu com o israelita Boaz. Obed, o filho deles, foi o pai de Jessé, que foi o pai de Davi. Esses ancestrais do rei herói do antigo Israel refletem o fato de que a vontade de Deus pode ser cumprida quando as pessoas cruzam as barreiras da religião e da cultura. A caminhada com Deus hoje exige que cruzemos as barreiras que separam os cristãos uns dos outros e das pessoas que têm outros tipos de fé. A caminhada para a unidade cristã exige que andemos humildemente com Deus indo além das barreiras que nos separam uns dos outros.
Oração
Pai, perdoa-nos pelas barreiras de ambição, preconceito e desprezo que continuamente construímos e que geram separação dentro das Igrejas e entre as Igrejas, que nos separam das pessoas de outras crenças e daquelas que consideramos menos importantes do que nós. Que o teu Espírito nos dê coragem para cruzar essas fronteiras e para derrubar os muros que nos desconectam uns dos outros. Assim, com Cristo, queremos avançar para terreno desconhecido, levando a mensagem dele, que é de amorosa aceitação e unidade para o mundo inteiro. Deus da vida, guia-nos para a justiça e a paz. Amem.
Questões
§ Quais são as barreiras que separam os cristãos na sua comunidade?
§ Quais são as barreiras que separam os cristãos de outras tradições religiosas na sua comunidade?
§ Quais são as diferenças e semelhanças entre a caminhada para além das barreiras que separam os cristãos uns dos outros e a caminhada para além daquelas que estão entre o cristianismo e outras religiões?

Como teus olhos interpretam
Como seus olhos tem interpretado as lutas que você passa?

Ajustemos pois a lente de nossos olhos de modo que vejamos o mundo e seus desafios como oportunidades de crescimento e assim sejamos mais sábios em nossas escolhas.

Cada um lê com os olhos que tem.

E interpreta a partir de onde os pés pisam.

Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo.

Isso faz da leitura sempre uma releitura.

A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha.

Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam.

Isso faz da compreensão sempre uma interpretação.

Sendo assim, fica evidente que cada leitor é co-autor. Porque cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita.
SEMANA DE ORAÇÃO PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS
O QUE DEUS EXIGE DE NÓS?
(cf Miquéias 6,6-8)

DIA 5
Caminhando como amigos de Jesus

Leituras
Cântico dos Cânticos 1,5-8
O amor e o ser amado
Salmo 139,1-6
Tu me buscaste e me conheces
3 João 2-8
Hospitalidade para os amigos em Cristo
João 15,12-17
Chamo-vos amigos
Comentário
Caminhar humildemente com Deus não significa caminhar sozinho. Significa caminhar com os que são aqueles sinais vitais da presença de Deus entre nós, nossos amigos. “Mas chamo-vos amigos” – diz Jesus no evangelho de João. Dentro da liberdade do amor, somos capazes de escolher nossos amigos e de ser escolhidos como amigos. “Não fostes vós que me escolhestes, mas eu que vos escolhi” – diz Jesus a cada um de nós. A amizade de Jesus com cada um de nós transfigura e transcende nossos relacionamentos com a família e a sociedade. Ela expressa o profundo e fiel amor de Deus por nós todos.
O poema de amor da Bíblia, o Cântico dos Cânticos, tem sido interpretado de várias maneiras, como o amor de Deus por Israel ou o amor de Cristo pela Igreja. Permanece como o testemunho de uma paixão entre amantes que transcende os limites impostos na sociedade. Quando a amada diz ao seu amado “Eu sou preta, mas bela” , suas palavras vem com o pedido “não vos incomodeis se sou morena”. Mas o amado a contempla e escolhe o amor, como faz Deus em Cristo.
O que o Senhor exige daqueles que caminham com Jesus e seus amigos? Na Índia isso é um chamado ás Igrejas para acolherem os dalits em igualdade como amigos do grande amigo que têm em comum. Esse chamado para ser amigo dos amigos de Jesus é um outro modo de entender a unidade dos cristãos, pela qual oramos nesta Semana. Cristãos do mundo inteiro são chamados a ser amigos de todos os lutam contra a discriminação e a injustiça. Caminhar para a unidade cristã exige que caminhemos humildemente com Deus como amigos de Jesus e com os amigos de Jesus.
Oração
Jesus, desde o primeiro momento de tua vida nos ofereceste tua amizade. Teu amor envolve todas as pessoas, especialmente as que são excluídas ou rejeitadas por causa de construções humanas a respeito de casta, raça ou cor. Cheios de confiança e animados pela afirmação de nossa dignidade em ti, possamos caminhar em solidariedade uns na direção dos outros, acolhendo-nos mutuamente no Espírito, como filhos de Deus. Deus da vida, guia-nos para a justiça e a paz. Amem.
Questões
§ Quem são aqueles, em suas comunidades, que Cristo chama para serem seus amigos?
§ Que impede os amigos de Jesus de serem amigos uns dos outros?
§ Como o fato de serem amigos do mesmo Jesus se torna um desafio para Igrejas divididas?

Mãe, jeito divino de amar
Parabéns pelo seu jeito
amoroso de ser;
teimoso de fazer;
bendito de perdoar;

inigualável de recomeçar sempre;
carinhoso de acolher entre os braços;
confiante de apertar contra o coração;
incansável de trabalhar;

nobre de errar e reconhecer o erro;
íntegro para tomar atitudes francas e corajosas;
singelo de admoestar;
silencioso de chorar quando precisa;

feliz de sorrir quando necessário;
piedoso de rezar;
poderoso de superar-se diante dos obstáculos;
paciente para ouvir e aconselhar.

Parabéns, mãe, pelo seu jeito divino de amar.


Rivaldo Rodrigues Cavalcante
SEMANA DE ORAÇÃO PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS
O QUE DEUS EXIGE DE NÓS?
(cf Miquéias 6,6-8)

DIA 4
Caminhando como filhos da terra

Leituras
Levítico 25,8-17
A terra é para o bem comum, não para lucro pessoal
Salmo 65,5b-18
O frutuoso derramamento da graça de Deus sobre a terra
Romanos 8,18-25
O anseio de toda a criação pela redenção
João 9,1-11
A cura feita por Jesus: lama, corpos e água
Comentário
Se vamos caminhar em humildade com Deus, precisaremos estar sempre conscientes de sermos, nós mesmos, parte da criação e receptores dos dons de Deus. Há no mundo de hoje um crescente reconhecimento de que uma melhor compreensão de nosso autêntico lugar na criação deve-se tornar para nós uma prioridade. Entre os cristãos, especialmente, há uma crescente consciência das maneiras pelas quais a preocupação ecológica é parte do “caminhar humildemente com Deus”, o criador; afinal, tudo que temos é dado por Deus na sua criação e, portanto, não é “nosso” para ser usado como quisermos. É por essa razão que, de 1 de setembro a 4 de outubro, os cristãos são chamados a observar o Tempo da Criação – uma prática que vem crescendo em muitas Igrejas. Em 1989 o Patriarca ecumênico Dimitrios I proclamou o dia 1 de setembro como um dia de oração pelo meio ambiente. O ano litúrgico da Igreja Ortodoxa começa nesse dia com uma comemoração da criação do mundo por Deus. No dia 4 de outubro, muitas Igrejas de tradição ocidental comemoram Francisco de Assis, o autor do Cântico das Criaturas. O começo e o fim do Tempo da Criação estão assim ligados com o cuidado pela criação nas tradições orientais e ocidentais da Cristandade, respectivamente.
A história cristã é uma história de redenção de toda a criação; é a própria história da criação. A crença de que, em Jesus, Deus se tornou uma pessoa humana, num tempo e num lugar específicos, é um dado central ao redor do qual todos os cristãos se unem. É uma fé partilhada na Encarnação que traz consigo um profundo reconhecimento da importância da criação – de corpos, alimento, terra, água e tudo o que sustenta nossa vida como pessoas no planeta. Jesus é totalmente parte deste mundo. Pode ser um pouco chocante ouvir que Jesus cura usando saliva e pó da terra; mas é coerente com esse real sentido do mundo criado como parte integrante da ação de Deus nos trazendo vida nova.
No mundo inteiro, a terra costuma ser trabalhada pelas pessoas mais pobres, que freqüentemente nem participam elas mesmas do frutuoso resultado; assim é a experiência de muitos dalits na Índia. Ao mesmo tempo, são essas comunidades que têm um particular cuidado com a terra, como se vê pela sabedoria adquirida na prática de lidar com a terra, que é visível no desenvolvimento de seu trabalho.
O cuidado com a terra inclui questões básicas sobre como os seres humanos devem viver dentro da criação, de um modo que seja o mais plenamente humano para todos. O fato de que a terra – com o trabalho que nela se faz e a sua posse – seja tão freqüentemente fonte de desigualdades econômicas e de práticas degradantes de trabalho é motivo de grande preocupação e clama por ação conjunta dos cristãos. O acordo no reconhecimento desses riscos de exploração no que diz respeito à terra é encontrado nas instruções do Levítico sobre o Ano do Jubileu: a terra e seus frutos não nos são dados para ser uma oportunidade para “levar vantagem uns sobre os outros”, mas o trabalho da terra deve trazer benefícios para todos. Isso não é apenas uma “idéia religiosa”; é algo ligado a práticas muito realistas de economia e negócios relacionadas ao modo como a terra é usada, comprada e vendida.
Oração
Deus da vida, nós te agradecemos pela terra e por aqueles que cuidam dela e fazem com que produza frutos. Pedimos que o Espírito, o doador da vida, nos faça reconhecer que somos parte da rede de relacionamentos da criação. Queremos aprender a valorizar a terra e escutar os lamentos da criação; ajuda-nos a seguir verdadeiramente os passos de Cristo, trazendo cura para tudo que fere a terra e garantindo uma justa partilha daquilo que ela produz. Deus da vida, guia-nos para a justiça e a paz.
Questões
§ As leituras de hoje convidam os cristãos a uma profunda unidade na ação a partir de uma preocupação em comum com a terra. Onde pomos em prática o espírito do Jubileu, juntos, em nossa vida de cristãos?
§ Onde, em nossas comunidades cristãs, somos cúmplices de coisas que degradam e exploram a terra? Onde podemos trabalhar mais juntos, aprendendo e ensinando a reverência diante da criação de Deus?

Conquiste a sua liberdade interior
Para que isso seja possível, em primeiro lugar, é necessário que haja a auto-aceitação.

Em seguida, vem a aceitação irrestrita do outro, sem querer mudá-lo.

É fundamental considerar as qualidades e capacidades individuais, não só as deficiências e limitações.

Lembre-se de que o que vai permanecer é a verdade interior de cada um.
SEMANA DE ORAÇÃO PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS
O QUE DEUS EXIGE DE NÓS?
(cf Miquéias 6,6-8)

DIA 3
Caminhando para a liberdade


Leituras
Êxodo 1,15-22
As parteiras do Egito obedecem mais à lei de Deus do que às ordens do faraó
Salmo 17,1-6
A prece confiante de alguém aberto à contemplação de Deus
2 Coríntios 3,17-18
A gloriosa liberdade dos filhos de Deus em Cristo
João 4,4-26
A conversa com Jesus leva a mulher samaritana a um modo mais livre de viver
Comentário
Caminhar humildemente com Deus é sempre uma caminhada para acolher a liberdade que ele coloca diante de todas pessoas. Com essa mentalidade vamos celebrar. Celebramos o mistério da luta pela libertação, que ocorre mesmo em lugares onde a opressão, o preconceito e a pobreza parecem ser cargas insuportáveis. A decidida recusa humana em aceitar ordens e condições desumanas – como as que foram dadas pelo faraó às parteiras do povo hebreu escravizado no Egito – pode parecer um conjunto de pequenas ações; mas essas são geralmente as espécies de ação a favor da liberdade que estão acontecendo em comunidades locais por toda a parte. Essa decidida caminhada na direção de uma vida mais plena traz um dom de esperança evangélica para todas as pessoas que estão presas, de diferentes maneiras, dentro dos padrões de desigualdade do mundo inteiro.
A caminhada passo a passo para a libertação da discriminação injusta e das práticas preconceituosas nos vem através da história do encontro que Jesus tem à beira do poço com uma mulher da Samaria. Aqui temos uma mulher que busca, acima de tudo, questionar os preconceitos com que se deparava, bem como achar modos de aliviar as cargas pesadas de sua vida. Essas preocupações são o ponto de partida de sua conversa com Jesus. O próprio Jesus se envolve na conversa com ela tendo por base tanto a sua necessidade de um auxílio prático (ele estava com sede) como a mútua abordagem dos preconceitos sociais que faziam esse auxílio parecer problemático. Passo a passo o caminho para uma vida mais livre é aberto diante da mulher, à medida que a realidade das complexidades de sua vida vai sendo percebida com mais clareza à luz das palavras de Jesus. Ao final essas intuições pessoais levam a conversação a um lugar em que aquilo que divide dois grupos de pessoas – o local onde deve ser feita a adoração- é ultrapassado. “Adorar em espírito e verdade” é o que é exigido; e aqui aprendemos a ser livres de tudo que nos impede de ter uma vida em comum, vida em sua plenitude.
Ser chamado para uma maior liberdade em Cristo é um chamado para uma comunhão mais profunda. As coisas que nos separam – tanto sendo cristãos em busca da unidade como sendo pessoas mantidas separadas por injustas tradições e desigualdades – nos mantêm cativos e escondidos uns dos outros. Nossa liberdade em Cristo é, no entanto, caracterizada por aquela nova vida no Espírito, que nos permite, juntos, estar diante de Deus com “rostos descobertos”. É nessa luz gloriosa que aprendemos a ver uns aos outros de modo mais verdadeiro, enquanto crescemos à semelhança de Cristo na direção da plenitude da unidade cristã.
Oração
Deus libertador, nós te agradecemos pela persistência e pela esperançosa fé daqueles que lutam pela dignidade e plenitude de vida. Sabemos que ergues aqueles que são derrubados e libertas os que são cativos. Teu Filho Jesus caminha conosco para nos mostrar a estrada para a autêntica liberdade. Queremos ser capazes de apreciar o que nos foi dado e ser fortalecidos para superar tudo que dentro de nós nos escraviza. Envia-nos teu Espírito para que a verdade nos liberte, para podermos proclamar com nossas vozes unidas o teu amor ao mundo. Deus da vida, guia-nos para a justiça e a paz. Amem.
Questões
§ Existem ocasiões, mesmo em nossas comunidades cristãs, em que preconceitos e julgamentos do mundo – a respeito de casta, idade, gênero, raça, educação – nos impedem de ver uns aos outros claramente à luz da glória de Deus?
§ Que passos pequenos e práticos podemos assumir, como cristãos unidos, na direção da liberdade dos filhos de Deus (Romanos 8,21) , em nossas Igrejas e na sociedade mais ampla?
SEMANA DE ORAÇÃO PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS
O QUE DEUS EXIGE DE NÓS?
(cf Miquéias 6,6-8)

DIA 1
Caminhando em conversação

Leituras
Gênesis 11,1-9
A história de Babel e o legado da nossa diversidade
Salmo 34,11-18
“Vinde escutar-me! O convite de Deus à conversação
Atos 2, 1-12
O derramamento do Espírito, o dom da compreensão
Lucas 24,13-25
Conversa com Jesus Ressuscitado na estrada
Comentário
Caminhar humildemente com Deus significa caminhar como pessoas que falam umas com as outras e com o Senhor, sempre atentas ao que ouvem. Por isso iniciamos nossa celebração da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos refletindo sobre passagens da Escritura que falam da prática essencial da conversação. A conversação tem sido elemento central no movimento ecumênico, pois abre espaços para aprender uns com os outros, para partilhar o que temos em comum e para nossas diferenças serem ouvidas e atendidas. Desse modo se desenvolve uma compreensão mútua. Esses dons da busca pela unidade são parte do nosso chamado básico para responder ao que Deus exige de nós: através de uma conversa verdadeira, a justiça se faz e a bondade é aprendida. Experiências práticas de libertação no mundo inteiro deixam claro que o isolamento de pessoas que são forçadas a viver na pobreza é energicamente superado por práticas de diálogo.
A leitura de hoje do Gênesis e a história de Pentecostes mostram ambas algo dessa ação humana e de seu lugar no plano de libertação que Deus tem para o povo. A história da torre de Babel descreve primeiro como grandes coisas são possíveis quando não existe uma barreira de linguagem. No entanto, a história mostra que esse potencial é percebido como uma espécie de base para a auto promoção: “Conquistemos para nós um nome” é a motivação para a construção da grande obra. No fim, esse projeto leva a uma confusão de línguas; de aí em diante precisamos aprender o significado da nossa própria humanidade através de uma paciente atenção dedicada ao outro que é estranho para nós. É com o derramamento do Espírito Santo em Pentecostes que a compreensão no meio das diferenças se torna possível de maneira nova, pelo poder da ressurreição de Jesus. Agora somos convidados a partilhar o dom de falar e ouvir, orientado na direção do Senhor e na direção da liberdade. Somos chamados a caminhar no Espírito.
A experiência dos discípulos no caminho de Emaús é uma conversa acontecendo no contexto de uma viagem em conjunto, mas também de perda e desapontamento em relação à esperança. Como Igrejas vivendo em vários níveis de desunião e como sociedades divididas por preconceitos e medo do outro podemos nos reconhecer aí. No entanto, é precisamente aí que Jesus escolhe entrar na conversa - não se colocando no papel superior de professor, mas caminhando ao lado dos discípulos. O desejo dele de ser parte de nossas conversas e nossa resposta ao querer que ele permaneça e fale mais conosco é que nos possibilitam um encontro vívido com o Senhor Ressuscitado.
Todos os cristãos sabem algo desse encontro com Jesus e do poder de sua palavra “ardendo em nós”; essa experiência de ressurreição nos chama a uma mais profunda unidade em Cristo. A conversação constante, entre nós e com Jesus – mesmo dentro de nossa própria desorientação – nos conserva a caminho, juntos na direção da unidade.
Oração
Jesus Cristo, proclamamos com alegria nossa identidade comum em ti, e te agradecemos por nos convidares a um diálogo de amor contigo. Abre nossos corações para participar mais perfeitamente de tua prece ao Pai para que sejamos um, de modo que, caminhando juntos, possamos nos aproximar sempre mais uns dos outros. Dá-nos a coragem de dar testemunho da verdade juntos e possa o nosso diálogo envolver mesmo aqueles que perpetuam a desunião. Envia teu Espírito para nos capacitar diante de situações de desafio em que a dignidade e a compaixão estão ausentes em nossas sociedades, nações e no mundo. Deus da vida, guia-nos para a justiça e a paz. Amém.
Questões
Onde praticamos verdadeira conversação, no meio das variadas diferenças que nos separam?
§ Nossa conversação está orientada para algum grande projeto de nosso próprio interesse ou para a nova vida que traz esperança de ressurreição?
§ Com que pessoas conversamos e quem não está incluído em nossas conversações? Por que?
SEMANA DE ORAÇÃO PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS
O QUE DEUS EXIGE DE NÓS?

(cf Miquéias 6,6-8)




DIA 2
Caminhando com o corpo ferido de Cristo

Leituras
Ezequiel 37,1-14
“Essas ossadas podem reviver?”
Salmo 22,1-8
O servo de Deus, insultado e ridicularizado, clama a Deus
Hebresu 13, 12-16
O chamado para ir a Jesus “fora do acampamento”
Lucas 22, 14-23
Jesus parte o pão, dando-se como oferta antes de seu sofrimento
Comentário
Caminhar humildemente com Deus significa ouvir o chamado para ir além dos lugares de nosso próprio conforto, acompanhando o outro, especialmente o outro que sofre.
“Nossos ossos estão ressequidos, nossa esperança desapareceu, estamos esfacelados”. Essas palavras de Ezequiel expressam a experiência de muitos povos no mundo inteiro hoje. Na Índia, isso acontece com o povo ferido das comunidades dos dalits, cujas vidas falam eloqüentemente desse tipo de sofrimento, um sofrimento que Cristo, o Crucificado, partilha. Com pessoas feridas de todos os tempos e lugares, Jesus grita ao Pai: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”
Os cristãos são chamados a entrar nesse caminho da cruz. A epístola aos Hebreus deixa claras não apenas a realidade salvífica de Jesus, vivida nas margens da vida, mas também a necessidade de seus discípulos irem para “fora do acampamento” para lá o encontrarem. Quando encontramos aqueles que foram excluídos e reconhecemos o crucificado em seus sofrimentos, fica clara a direção em que devemos ir: estar com Cristo significa estar em solidariedade com os que se situam nas margens, cujas feridas ele partilha.
O corpo de Cristo, ferido na cruz, é “ferido por você”. A história do sofrimento e da morte de Cristo tem seu prefácio na história da última ceia: então é celebrada como vitória sobre a morte em toda eucaristia. Nessa celebração cristã, o corpo ferido de Cristo é seu corpo ressuscitado e glorioso; seu corpo é ferido para que possamos partilhar sua vida e nele ser um só corpo.
Como cristãos no caminho da unidade podemos freqüentemente ver a eucaristia como um lugar em que o escândalo de nossa desunião é dolorosamente real, sabendo que, por enquanto, não podemos plenamente partilhar esse sacramento como deveríamos. Essa situação nos chama a renovados esforços na direção de uma comunhão mais profunda de uns com os outros.
As leituras de hoje podem nos abrir outra linha de reflexão. Caminhar com o corpo ferido de Cristo aponta um caminho para estarmos eucaristicamente juntos: partilhar nosso pão com os famintos, derrubar as barreiras de pobreza e desigualdade – esses são também “atos eucarísticos”, nos quais os cristãos são chamados a trabalharem juntos. O papa Bento XVI organiza suas reflexões sobre a eucaristia para a Igreja justamente desse modo: é um sacramento não somente para ser motivo de crença e celebração, mas também para ser vivido (Sacramentum caritatis). Combinando com a compreensão dos ortodoxos da “liturgia após a liturgia”, aqui se reconhece que não há “nada autenticamente humano” que não encontre sua forma e vida na eucaristia. (SC 71)
Oração
Deus de compaixão, teu Filho morreu na cruz para que em seu corpo ferido nossas divisões possam ser destruídas. Ainda assim, o crucificamos sempre de novo com nossa desunião, e com sistemas e práticas que põem obstáculos ao teu cuidado amoroso e à tua justiça em relação àqueles que tem sido excluídos dos dons de tua criação. Envia-nos teu Espírito para infundir vida e cura em nossa fragilidade para que possamos testemunhar juntos a justiça e o amor de Cristo. Caminha conosco em direção ao dia em que possamos partilhar um mesmo pão e um mesmo cálice na mesa comum. Deus da vida, guia-nos para a justiça e a paz. Amem.
Questões
§ À luz da tradição profética em que Deus deseja a justiça mais do que um ritual sem retidão, precisamos nos perguntar: Como a eucaristia, o mistério da fragilidade de Cristo e de sua nova vida, é celebrado em todos os lugares por onde caminhamos?
§ Que podemos fazer, como cristãos, juntos, para testemunhar melhor nossa unidade em Cristo em lugares onde há feridas e marginalização?

Projeto Ave-Maria - Especial Papa João Paulo II

I - Configurar-se a Cristo com Maria
II - Maria é feliz porque acreditou
III - O “Magnificat” da Igreja peregrina

I - Configurar-se a Cristo com Maria
A espiritualidade cristã tem como seu caráter qualificador o empenho do discípulo em configurar-se sempre mais com o seu Mestre (cf. Rom 8, 29; Fil 3, 10.21). A efusão do Espírito no Batismo introduz o crente como ramo na videira que é Cristo (cf. Jo 15, 5), constitui-o membro do seu Corpo místico (cf. 1 Cor 12, 12; Rom 12, 5). Mas a esta unidade inicial, deve corresponder um caminho de assimilação progressiva a Ele que oriente sempre mais o comportamento do discípulo conforme a “lógica” de Cristo: « Tende entre vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus » (Fil 2, 5). É necessário, segundo as palavras do Apóstolo, « revestir-se de Cristo » (Rom 13, 14; Gal 3, 27).
No itinerário espiritual do Rosário, fundado na incessante contemplação – em companhia de Maria – do rosto de Cristo, este ideal exigente de configuração com Ele alcança-se através do trato, podemos dizer, “amistoso”. Este introduz-nos de modo natural na vida de Cristo e como que faz-nos “respirar” os seus sentimentos. A este respeito diz o Beato Bártolo Longo: «Tal como dois amigos, que se encontram constantemente, costumam configurar-se até mesmo nos hábitos, assim também nós, conversando familiarmente com Jesus e a Virgem, ao meditar os mistérios do Rosário, vivendo unidos uma mesma vida pela Comunhão, podemos vir a ser, por quanto possível à nossa pequenez, semelhantes a Eles, e aprender destes supremos modelos à vida humilde, pobre, escondida, paciente e perfeita».
Neste processo de configuração a Cristo no Rosário, confiamo-nos, de modo particular, à ação maternal da Virgem Santa. Aquela que é Mãe de Cristo, pertence Ela mesma à Igreja como seu «membro eminente e inteiramente singular» sendo, ao mesmo tempo, a “Mãe da Igreja”. Como tal, “gera” continuamente filhos para o Corpo místico do Filho. Fá-lo mediante a intercessão, implorando para eles a efusão inesgotável do Espírito. Ela é o perfeito ícone da maternidade da Igreja.
O Rosário transporta-nos misticamente para junto de Maria dedicada a acompanhar o crescimento humano de Cristo na casa de Nazaré. Isto lhe permite educar-nos e plasmar-nos, com a mesma solicitude, até que Cristo esteja formado em nós plenamente (cf. Gal 4, 19). Esta ação de Maria, totalmente fundada sobre a de Cristo e a esta radicalmente subordinada, « não impede minimamente a união imediata dos crentes com Cristo, antes a facilita ». É o princípio luminoso expresso pelo Concílio Vaticano II, que provei com tanta força na minha vida, colocando-o na base do meu lema episcopal: Totus tuus. Um lema, como é sabido, inspirado na doutrina de S.Luís Maria Grignion de Montfort, que assim explica o papel de Maria no processo de configuração a Cristo de cada um de nós: “Toda a nossa perfeição consiste em sermos configurados, unidos e consagrados a Jesus Cristo. Portanto, a mais perfeita de todas as devoções é incontestavelmente aquela que nos configura, une e consagra mais perfeitamente a Jesus Cristo. Ora, sendo Maria entre todas as criaturas a mais configurada a Jesus Cristo, daí se conclui que de todas as devoções, a que melhor consagra e configura uma alma a Nosso Senhor é a devoção a Maria, sua santa Mãe; e quanto mais uma alma for consagrada a Maria, tanto mais será a Jesus Cristo”. Nunca como no Rosário o caminho de Cristo e o de Maria aparecem unidos tão profundamente. Maria só vive em Cristo e em função de Cristo!

Papa João Paulo II
in: Carta Apostólica “Rosarium Virginis Mariae”


II - Maria é feliz porque acreditou
Se, desde o momento da Anunciação lhe foi revelado o Filho, que apenas o Pai conhece completamente, como Aquele que O gera no «hoje» eterno (cf. S12, 7), então Maria, a Mãe, está em contacto com a verdade do seu Filho somente na fé e mediante a fé! É feliz, portanto, porque «acreditou»; e acredita dia-a-dia, no meio de todas as provações e contrariedades do período da infância de Jesus e, depois, durante os anos da sua vida oculta em Nazaré, quando ele «lhes era submisso» (Lc 2, 51); submisso a Maria e também a José, porque José, diante dos homens, faria para Ele às vezes de pai; e era por isso que o Filho de Maria era tido pela gente do lugar como «o filho do carpinteiro» (Mt 13, 55).
A Mãe, por conseguinte, lembrada de tudo o que lhe havia sido dito acerca deste seu Filho, na Anunciação e nos acontecimentos sucessivos, é portadora em si mesma da «novidade» radical da fé: o inicio da Nova Aliança. É este o início do Evangelho, isto é, da boa nova, da jubilosa nova.
Não é difícil, porém, perceber naquele início um particular aperto do coração, unido a uma espécie de «noite de fé» - para usar as palavras de São João da Cruz - como que um «véu» através do qual é forçoso aproximar-se do Invisível e viver na intimidade com o mistério. Foi deste modo, efetivamente, que Maria, durante muitos anos, permaneceu na intimidade com o mistério do seu Filho, e avançou no seu itinerário de fé, à medida que Jesus «crescia em sabedoria... e graça, diante de Deus e dos homens» (Lc 2, 52). Manifestava-se cada vez mais aos olhos dos homens a predileção que Deus tinha por Ele. A primeira entre estas criaturas humanas admitidas à descoberta de Cristo foi Maria que, com Ele e com José, vivia na mesma casa de Nazaré.
Todavia, na ocasião em que O reencontraram no templo, à pergunta da Mãe: «Por que procedeste assim conosco?», Jesus - então menino de doze anos - respondeu:
«Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?»; e o Evangelista acrescenta: «Mas eles
(José e Maria) não entenderam as suas palavras» (Lc 2, 48-50).
Portanto, Jesus tinha a consciência de que «só o Pai conhece o Filho» (cf. Mt 11, 27); tanto assim, que até aquela a quem tinha sido revelado mais profundamente o mistério da sua filiação divina, a sua Mãe, vivia na intimidade com este mistério somente mediante a fé! Encontrando-se constantemente ao lado do Filho, sob o mesmo teto, e «conservando fielmente a união com o Filho» Ela «avançava na peregrinação da fé», como acentua o Concílio. Assim sucedeu também durante a vida pública de Cristo (cf. Mc 3,21-35) pelo que, dia-a-dia, se cumpriram nela as palavras de congratulação pronunciadas por Isabel, por ocasião da Visitação: «Feliz aquela que acreditou».

Papa João Paulo II
In :Carta Encíclica “Redemptoris Mater”

III - O “Magnificat” da Igreja peregrina
Na fase atual da sua caminhada, a Igreja procura reencontrar a união de todos os que professam a própria fé em Cristo, para manifestar a obediência ao seu Senhor que orou por esta unidade, antes do seu eminente sacrifício. Vai avançando na «sua peregrinação... e anunciando a paixão e a morte do Senhor até que Ele venha» (CONC. ECUM. VATICANO II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium.8). «Prosseguindo entre as tentações e tribulações da caminhada, a Igreja é apoiada pela força da graça de Deus, que lhe foi prometida pelo Senhor, para que não se afaste por causa da fraqueza humana, da perfeita fidelidade, mas permaneça digna esposa do seu Senhor e, com auxílio do Espírito Santo, não cesse de se renovar a si própria até que, pela Cruz, chegue à luz que não conhece ocaso» (CONC. ECUM. VATICANO II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium.9).

A Virgem Maria está constantemente presente nessa caminhada de fé do Povo de Deus em direção à luz. Demonstra-o de modo especial o cântico do «Magnificat», que, tendo brotado da profundidade da fé de Maria na Visitação, não cessa de vibrar no coração da Igreja ao longo dos séculos. Prova-o a sua recitação quotidiana na liturgia das Vésperas e em muitos outros momentos de devoção, quer pessoal, quer comunitária.

«A minha alma glorifica o Senhor
e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador.

Porque pôs os olhos na humildade da sua serva:
de hoje em diante me chamarão bem-aventurada
todas as gerações.
O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas:
Santo é o seu nome.

O seu amor se estende de geração em geração
sobre aqueles que O temem.
Manifestou o poder do seu braço
e dispersou os soberbos.

Derrubou os poderosos de seus tronos
E exaltou os humildes.
Aos famintos encheu de bens
E aos ricos despediu de mãos vazias.

Acolheu a Israel, seu servo,
Lembrado de sua misericórdia,
como tinha prometido a nossos pais,
a Abraão e à sua descendência para sempre” (Lc 1, 46-55)
Papa João Paulo II
Carta Encíclica “Redemptoris Mater”